Nova forma de escambo está rendendo frutos em vários estados e chamando a atenção de órgãos oficiais
Economia solidária não é nenhuma novidade, pois o conceito econômico com base no cooperativismo existe desde a Revolução Industrial ainda no século XVIII – simplificadamente, podemos considerar como base da economia solidária o associativismo centrado na valorização do ser humano, e não do capital. Porém, é no segmento cultural que o formato vem ganhando força no Brasil com a criação de maneiras alternativas de produção, consumo e distribuição de riquezas.
Um bom exemplo de como movimentar a cadeia produtiva da Cultura vem de Cuiabá, Mato Grosso, onde, desde 2004, circula o Cubo Card – moeda complementar criada pela o coletivo Espaço Cubo, associação cultural responsável pelo gerenciamento da moeda e por uma série de ações culturais e artísticas como os festivais de música independente Calango e Grito Rock, a Semana da Música e o circuito audiovisual Próxima Cena. Além de promover eventos, o Espaço Cubo também conta com uma série de espaços propícios para fomentar a economia criativa: estúdio para ensaio e gravação, loja para distribuição de discos, informativos impressos (fanzines) e virtuais (blogs), entre outras frentes.
“Criamos o Cubo Card em 2004 para formalizar as parcerias e criar possibilidades reais de produção, circulação e distribuição de produtos culturais. Na época, por falta de experiência e sistemática, quebramos – literalmente – por ainda não termos um lastro sólido que desse suporte ao Cubo Card. Tivemos que replanejar todo modelo de funcionamento para evitar tropeços financeiros, e a idéia vem prosperando e se multiplicando desde então”, comemora Pablo Capilé, produtor cultural e cabeça de chave do Espaço Cubo, cujo núcleo é formado por dez pessoas.
Segundo Capilé, logo no início as pessoas não sabiam direito como o sistema funcionaria, e o Cubo Card tinha que ser constantemente descontado (trocado por dinheiro) junto aos fornecedores e prestadores de serviço que arrecadavam os créditos, por isso a quebradeira: “Todos quiseram sacar ao mesmo tempo e o nosso lastro ainda não estava devidamente consolidado. Pedimos paciência, que segurassem os créditos até o sistema ser ajustado – em pouco meses voltamos a emitir novos Cubo Cards. Agora, quase cinco anos depois, conseguimos criar demanda para o Cubo Card circular sem nossa intervenção, através de trocas entre os próprios participantes da rede”, informa Capilé.
Informação é negócio
Além de Cuiabá, Uberlândia (MG) já conta com moeda alternativa própria, o Goma Card; e em Belo Horizonte (MG) e Rio Branco, no Acre, iniciativas semelhantes também estão em estágio avançado de implementação. “Atualmente, o Espaço Cubo, através do Circuito Fora do Eixo, agrega outros coletivos que também querem entrar na rede, entre eles o Coletivo Lumo (de Recife) e Coletivo Noize (em Natal). Estamos repassando nossa experiência para consolidar uma rede que, atualmente, está presente em 37 cidades de 22 estados”, disse. Pablo explicou que moedas complementares só funcionam plenamente quando os participantes da rede estão bem informados: “Hoje temos em circulação, aqui em Cuiabá, 120 mil em créditos Cubo Card ( ou seja, há cerca de 180 mil reais circulando em moeda complementar na capital do Mato Grosso) e uma rede com 450 cadastrados, entre artistas, produtores, lojas e empresas prestadoras de serviço. A meta é fazer com que ela possa ser trocada pela moeda complementar local de outros estados, sem unificar.
Abrafin já é exemplo nacional
O êxito da iniciativa cuiabana já colhe frutos em âmbitos, digamos, oficiais: o Ministério do Trabalho e o Senai, dois dos grandes parceiros da Associação Brasileira de Festival Independentes – Abrafin, considera o setor da música um dos mais afinados com conceitos da economia solidária, ou seja, as instituições reconhecem que a economia formal ganha fôlego e volume com a realização de festivais como o MADA (em Natal), Abril pro Rock (Recife), Porão do Rock (em Brasília), entre tantos outros promovidos com maior ou menor grau colaborativo.
“As moedas complementares visam o fortalecimento e a movimentação em todos os níveis da cadeia produtiva da Cultura. Não é para pagar aluguel, e sim para articular a geração de renda através de novas possibilidades de relações comerciais e econômicas”, explica Daniel Zen, secretário Estadual de Cultura do Acre, e atual presidente do Fórum de Secretários e Dirigentes Estaduais de Cultura, que estava reunido com Capilé tratando desse e outros assuntos quando a reportagem do VIVER entrou em contato com o produtor. “A utilização de moedas complementares é um meio, uma alternativa promissora em mercados pequenos onde circula pouco dinheiro para fomentar a criação, produção, circulação e distribuição de produtos culturais. Com isso, gera-se um movimento indireto de dinheiro real entre os integrantes da rede”, aposta Zen, que pretende apresentar os resultados conquistados em Cuiabá à gestores de outros Estados – no Mato Grosso, a Secretaria Estadual de Cultura já é parceira do Cubo Card.
“Dois exemplos de bandas que ganharam projeção nacional ao gerenciar bem os recursos do Cubo Card são a Vanguart e Macaco Bong”, disse Pablo Capilé, que acredita ser possível implementar moeda complementar em grandes centro como São Paulo, desde que seja setorizada.
Em Natal, experiências ainda são isoladas e informais
Em Natal, quem faz parte da rede Circuito Fora do Eixo é o Coletivo Noize, grupo formado no final de 2008 e que une músicos e produtores que transitam na órbita dos selos independentes Geladeira Discos, Xubba Music e Dia 32 (ex-Solaris). “Nossa meta é implantar uma moeda complementar aqui em Natal, mas ainda estamos em fase de planejamento interno. Antes de qualquer ação concreta, temos que saber quais as frentes que devemos ‘atacar’, identificar as demandas e elencar necessidades”, planeja Gustavo ‘Macaco’ Rocha, um dos coordenadores do Noize e baixista da banda Calistoga.
“Inicialmente queremos envolver nosso público, ligado ao circuito alternativo de música e outras vertentes da Cultura, para depois ampliar a rede. Acredito que qualquer pessoa interessada em arte e cultura é um participante em potencial”, garante Macaco. O Coletivo Noize ainda não pensou em um nome para a moeda complementar natalense.
Já o produtor Anderson Foca, criador da marca DoSol – que hoje agrega selo, estúdio, bar e festival – disse que já pratica conceitos de economia solidária bem antes de saber o significado: “Aqui em Natal já praticamos a economia solidária há, pelo menos, dez anos, mas nossa forma de negócio é diferente – nosso perfil não é de Ong nem de Associação, como em Cuiabá e Uberlândia. Moedas alternativas não devem ser gerenciadas por empresas com fins lucrativos”, disse.
Foca informa que praticar preços abaixo do mercado na prestação de serviços (como locação de estúdio e espaço para shows) e propor trabalhos com base em permutas já é uma forma de movimentar o segmento. “Não temos uma moeda para regulamentar esse escambo, como o Cubo Card, mas damos nossa contribuição”, diz.
Experiência para outros
O Cubo Card funciona da seguinte maneira: o Espaço Cubo emite a moeda complementar a partir da captação de recursos junto a iniciativa privada, que apóia e/ou patrocina eventos promovidos pela Associação. Parte desse dinheiro (30%) é revertido em lastro para manter a liquidez do Cubo Card, enquanto o restante (70%) volta a circular no mercado como força de trabalho e créditos que pode ser trocado entre os conveniados – artistas, produtores, lojas parceiras (de instrumentos musicais, empresas prestadoras de serviço (escola de idiomas, cabeleireiro, restaurantes).
Exemplo de como utilizar os créditos: uma empresa passa a fazer parte da rede ao patrocinar, com dinheiro, algum evento promovido pelo Espaço Cubo. Parte desses recursos retornam à empresa em forma de créditos Cubo Card, e o núcleo responsável pela produção do evento também distribui créditos entre as pessoas que trabalham nesse núcleo específico. Se por um lado a empresa pode trocar Cubo Cards por serviços oferecidos pelo Espaço Cubo e contratar artistas para alguma ação promocional, realização de show; do outro, artistas se beneficiam do sistema ao trocar Cubo Cards por produtos e serviços em empresas conveniadas.
Exemplo “hipotético”
Para deixar ainda mais claro, vamos utilizar um exemplo local: imagine que a Sociedade dos Amigos do Beco da Lama e Adjacências (Samba) tenha uma moeda complementar circulando em Natal, o Samba Card, que é distribuído entre artistas prestadores de serviços à Samba e entre empresários que financiam eventos promovidos pela Samba. Parte do crédito é revertida em reserva (o chamado lastro) para garantir a liquidez da moeda, pois cada Samba Card equivale a R$ 1,50, e o restante volta para o mercado para troca: artistas podem utilizar o Samba Card para almoçar em restaurantes conveniados, que por sua vez podem contratar músicos para um show pagando da mesma forma.
Ou seja, uma loja de instrumentos pode ‘vender’ um equipamento e receber em créditos Samba Card, que serão trocados por dinheiro (junto à Samba) ou reutilizados para contratar serviços oferecidos pela própria Samba (organização de eventos ou assessoria de imprensa, por exemplo). Quem quiser produzir um vídeo clipe pode contratar um profissional da área audiovisual que também faça parte da rede... um artista vende obra em Samba Card e contrata atores, músicos e fotógrafos para participar da abertura de sua mostra.
* Fonte: Tribuna do Norte - 26/mai/2009 .:#:. link 2 (original)
Repórter: Yuno Silva
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