por Júlio Lima
A música produzida no Rio Grande do Norte sempre possuiu uma produção muito extensa, diversa e pluralizada no que concerne a gêneros e estilos musicais. Muitos são os nomes célebres que tiveram presença marcante na música popular brasileira em seus mais variados estilos, como por exemplo: Henrique de Brito e seu violão no bando dos Tangarás ao lado de Noel Rosa; o fenômeno Chico Antônio e seu coco de embolada, descoberto por Mário de Andrade; no campo do choro, com Ademilde Fonseca e K-Ximbimho; na era do Rádio com as cantoras Glorinha Oliveira e Núbia Lafayette; na bossa nova, com com Raymundo Olavo e Hianto de Almeida; na era dos grandes conjuntos vocais como o Trio Irakitan e o trio Maraya; no Forró com Elino Julião e Severino Ramos em sua parceria com o Gonzagão.
Esses foram alguns dos nossos triunfos do passado, mas se formos revisitar a partir da década de 70 até o cenário atual podemos citar: Terezinha de Jesus, Mirabô, Flôr de Cactus, Babal, Tico da Costa, Pedro Mendes, Cleudo Freire, Valéria Oliveira, Khystal, Sérgio Farias, Galvão Filho, Carlos Zens, Isaque Galvão, Geraldo Carvalho, Dorgival Dantas entre outros. Isso sem falar em bandas como Alphorria, General Junkie, Sodoma, Camarones Orquestra Guitarrística, Dusouto, Embola Funk, Far from Alaska, Potyguara Bardo, Luísa e os Alquimistas, etc.
No âmbito da música instrumental teremos ainda Jubileu Filho, Sérgio Groove, Lulinha Alencar, Júnior Primata, Zé Hilton, Franklyn Nogvaes, Eduardo e Roberto Taufic e muitos outros.
Apesar de muitos desses artistas terem alcançado certo estrelato, tendo seu trabalho divulgado em âmbito nacional, fica o questionamento se esse reconhecimento e visibilidade também era observado aqui no estado.
Mesmo com tantos talentos de reconhecida importância para a música nacional e internacional, o povo potiguar parece ainda procurar fora suas referências musicais em busca de uma identidade. Isso não só acontece no âmbito da música, mas da arte de uma maneira geral.
Esse movimento age de forma contrária ao que acontece em lugares como a Paraíba, Pernambuco, Ceará e Bahia, nos quais o povo parece ter um sentimento muito maior de pertencimento e encantamento em relação a sua arte e a sua cultura.
É muito comum ver propagandas em coletivos da cidade ressaltando as belezas de outros lugares com o objetivo de despertar o interesse das pessoas para o turismo, que no caso não é local. “Conheça Pernambuco” ou mesmo “Conheça o Ceará” parece ignorar o fato de que o Rio Grande do Norte possui um dos mais belos destinos do Nordeste, quiçá do Brasil.
Pensando no campo musical, essa realidade não é diferente. Podemos aqui colocar algumas interrogações: “o potiguar conhece a sua música? E se conhece, valoriza? São várias as indagações e reflexões advindas de questões como essas e que, possivelmente, podem não ter uma, mas sim várias respostas ou fatores psicossociais, o que nos levaria a adentrar outros campos epistemológicos para tentar entender esse fenômeno de uma forma mais global.
Contudo, vamos nos ater ao campo do empirismo musical para tentar desvelar possíveis fatores que nos trouxeram até aqui, assim como, sugerir caminhos para a superação do quadro em que nos encontramos.
Primeiro fator: Cachê
O cachê é o primeiro fator que mais afeta de forma direta os que escolhem a música como profissão e meio de vida. Sem um cachê digno, os musicistas não têm acesso a uma condição de subsistência tendo que, por muitas vezes, recorrer a outras profissões e até mesmo aos chamados “bicos” para complementar sua renda familiar. Tal fato acarreta um enfraquecimento na cena musical, uma vez que para se firmar carreira como um músico profissional o indivíduo tem que dispensar várias horas, dias, meses e anos de sua vida para estudos, pesquisas, ensaios, de forma que, sem uma remuneração justa para o seu trabalho esse tempo será preenchido com outras atividades que não as musicais, para garantir o seu sustento e o de suas famílias, realidade que acomete mais e mais musicistas do RN atualmente.
É muito comum encontrar em vários cenários, músicos reclamando que “pagam para tocar”. Desde 1998 até os dias atuais, praticamente não houve mudança alguma nos valores de cachê, que vão de R$ 50,00 a R$ 150,00 reais no máximo, até mesmo no caso dos couverts artísticos. Esse último citado é ainda pior, pois sem a devida fiscalização, os donos dos bares e estabelecimentos raramente repassam os valores integralmente aos artistas, engordando ainda mais seu lucro e desvalorizando ainda mais os músicos da noite, pelo que se observa e constata.
Em dezembro de 2019, o prefeito Álvaro Dias sancionou a lei complementar nº 186/2019 que determina a cobrança de couverts artísticos em bares, restaurantes, quiosques e lanchonetes de Natal para que sejam destinados exclusivamente aos músicos. Espera-se que haja alguma mudança real nesse sentido, já que o problema em sua plenitude, passa mais pelo âmbito da fiscalização.
E nesse sentindo, cabe aqui apontar que mesmo as tabelas de preços dos cachês disponibilizadas pela Ordem dos Músicos junto aos sindicatos, tanto para execução ao vivo (acompanhamento dos artistas) ou mesmo gravação, nunca foram cumpridas, ou mesmo fiscalizadas.
No RN, como em grande parte do Brasil, ainda hoje parece que a música não é reconhecida como uma profissão e isso pode estar associado a muitos fatores sociais. Um dos maiores desafios que o músico atravessa acontece inicialmente no seio familiar, pelo não reconhecimento da música como profissão por amigos e familiares.
Mesmo não tendo o reconhecimento como atividade profissional, todos consomem música o tempo inteiro e pagam quantias elevadas em ingressos de shows de artistas prediletos e reconhecidos nacionalmente.
Um músico que não é valorizado pelo seu trabalho se desmotiva e não consegue investir em melhores equipamentos (que por sinal são sempre onerosos), em cursos de aperfeiçoamento para seus estudos, em pesquisas, não consegue fazer uma circulação com o seu trabalho, não consegue fazer gravação e como citamos, não consegue muitas vezes nem mesmo pagar suas contas e sustentar a si mesmo, sendo socorrido por familiares e sofrendo ainda mais preconceito.
Por tudo aqui exposto até o presente, fica a constatação que um músico bem remunerado é o primeiro degrau para uma valorização e possível mudança na visão preconceituosa que muitos possuem de que a música não é profissão.
Segundo fator: Gravação Musical
No que concerne à composição, em seus mais variados estilos, os músicos e compositores do Rio Grande do Norte sempre possuíram uma produção muito extensa, expressiva e por conseguinte, dotada de muita riqueza. Contudo, muitos desses trabalhos permanecem fadados a continuarem nas gavetas, destinados ao total desconhecimento por parte do público geral.
Com o advento das políticas públicas para o segmento da música por meio dos fundos municipais e estaduais de cultura, torna-se um dever dos gestores públicos propiciar editais que possam contemplar esses artistas em seus mais variados gêneros e estilos musicais, como também, é direito dos artistas cobrar desses órgãos para que disponibilizem editais, sendo também um dever do segmento musical organizado (câmara setorial de música e rede potiguar de música) participar de tais discussões, de forma democrática.
Apesar de muitos artistas conseguirem registar seu trabalho fonograficamente por meio de iniciativa privada, esse não é um caminho muito fácil, pois apesar de contemplados, são em menor número em relação a editais públicos, além de incitar a competitividade e apresentar uma série de restrições pro artista desfavorecendo desenvolvimento de uma arte livre e sem amarras.
Sem recursos próprios ou ainda pela ausência do poder público, o trabalho de muitos artistas é relegado a um pequeno público que o consome apenas na forma síncrona (ao vivo), perdendo-se assim o longo alcance que ele pode submeter o seu trabalho na forma assíncrona (fonograma).
Terceiro Fator: a questão do Audiovisual
Num mundo globalizado e conectado, as formas como se consome e se produz arte mudaram significativamente. Na música não é diferente. Em pouco menos de 30 anos, evoluímos do vinil a fita cassete, depois ao CD player e nesse momento a música praticamente deixou de se apresentar na forma física para migrar para o mundo virtual. No mundo de hoje, ela saltou dos toca discos, disc players para a palma de nossas mãos num celular, passando de forma rápida por uma mutação em relação a sua forma de consumo, evoluindo do caráter sonoro para o audiovisual. Com isso, o público de hoje não quer somente ouvir música, mas antes de tudo, querem ver e assisti-la.
Quanto ao público, não há nenhum problema em relação a isso, porém, no âmbito de quem produz música no RN tornou-se um problema, pois mesmo no passado, ter um clipe produzido e difundido era muito oneroso e esse fator ainda acontece nos dias atuais.
Essa união entre música e audiovisual, na forma de um clipe, envolve muitos profissionais e serviços (câmeras, diretores, atores, cenografias, locações etc) e é esperado que tenha um custo elevado. Nesse sentido, frisamos que é muito difícil para um artista, com recursos próprios, fazer o seu clipe. Como também é praticamente ausente esse tipo de edital em meio às políticas públicas para a arte musical no RN, salvo uma ou outra iniciativa de algum órgão de gestão pública relacionado à música.
Ver o músico em cena, fazendo sua performance, tornou-se imprescindível nos tempos atuais, onde muitos artistas mundo afora já lançam seus discos ou singles atrelados a clipes musicais para uma maior abrangência e alcance de seus trabalhos.
Quarto Fator: a radioteledifusão
● Rádios
Apesar do advento das novas tecnologias e das novas formas de se consumir música, a rádio ainda se apresenta como um dos principais vetores para a divulgação e impulsionamento da carreira dos artistas no geral. Contudo, hoje, elas se encontram num formato muito diferente do que já foi a “política das rádios” no passado, quando os ouvintes podiam pedir as músicas de seus artistas favoritos na certeza que os mesmos seriam executados na programação.
Desde muito tempo, a “política das rádios” sofreu severas alterações, respondendo intenções mercadológicas, em vez do pedido dos ouvintes, o conhecido “Jabá”. Nesse sentido, hoje em dia, para que um artista seja executado dentro da programação de uma rádio ele tem que desembolsar quantias exorbitantes para se manter na grade da programação de uma rádio de grande alcance. Para artistas de renome nacional, essa quantia torna-se irrisória, visto o retorno desse investimento em shows e divulgação. Porém, para artistas emergentes e alternativos esses valores tornam-se um fosso intransponível entre ele e seu possível público, sendo relegados a ter o seu trabalho executado em algumas poucas rádios, como por exemplo: em rádios universitárias, rádios comunitárias, rurais ou nas web-rádios de hoje.
Num passado não muito distante no RN era muito comum ouvirmos artistas potiguares como Pedro Mendes, Sueldo Soaress, Cleudo Freire, Banda Alfândega, Banda Alphorria e muitos outros sendo executados em rádios como a 94, 96 e 98 FM, além de rádios como a Transamérica e 103 FM. Esses artistas tiveram por um breve momento um impulsionamento de suas carreiras e o que é mais importante: ficaram mais conhecidos pelo seu próprio povo, tendo uma procura muito maior por seus shows e consequentemente uma divulgação bem maior de seus trabalhos, o que comprovadamente ressalta o poder da rádio como principal veículo de transmissão e divulgação da arte musical.
Em Natal, por volta de 2015, surgiu uma leve iniciativa por meio de um decreto do então prefeito Carlos Eduardo que obrigava as rádios a tocarem 10% de músicas feitas por natalenses e que seria fiscalizado por funcionário da própria prefeitura, porém, tanto as rádios passaram a tocar supostamente esses artistas na madrugada, como também muito dos executados nem eram potiguares. Cabe salientar que nem tão pouco houve fiscalização alguma (já que a infração custaria as mesmas em torno de 5 mil reais). Portanto, nem se demonstrou eficiente, pois o então decreto só se referia a músicos natalenses, não englobando os músicos do RN na proposta, nem muito menos eficaz para a construção de uma política de valorização de nossos artistas nesse tão poderoso veículo de comunicação.
Por tudo isso, os músicos de nosso estado permanecem tendo visibilidade pela rádio 88,9 (Universitária FM) que é grande parceira dos músicos e compositores potiguares e seguem cativos na programação de rádios comunitárias e afins.
● Televisão
Em meio às novas tecnologias, a televisão permanece com seu lugar cativo nos corações e mentes da população brasileira. Esse tipo de veículo foi justamente o que impulsionou a indústria da música ao inventar a fábrica dos videoclipes e que ocasionou nas pessoas o desejo de não somente ouvir música, mas também de assisti-la.
Desde a cobertura no passado dos grandes festivais de música, a televisão vem impulsionando esse tipo de formato e foi responsável pelo surgimento de canais com conteúdos voltados apenas para a música e videoclipes, como no caso da MTV, que surgiu nos EUA e veio para o Brasil ainda nos anos 90, virando uma verdadeira febre entre os jovens. Ainda hoje, programa como The Voice Brasil faz o público de todo o Brasil torcer por um programa que possui um formato americanizado e que deixa a questionar se realmente há uma valorização da música brasileira.
O problema é que também como a rádio, que tocava o que seus ouvintes queriam ouvir, a Televisão no início também seguiu essa premissa de levar jovens talentos musicais para programas, ou mesmo construírem programas para eles, como no caso do programa de Jair Rodrigues e Elis Regina nos anos 60. Porém, assim como a rádio, a televisão segue hoje as mesmas premissas do mercado e se você quiser divulgar o seu trabalho, ou um show seu em algum programa (salvo algum fenômeno que aconteça) terá de desembolsar quantias ainda mais exorbitantes que as da rádio, afinal, não é só a divulgação do som de um artista, mas também de sua imagem, se constituindo, portanto, num forte veículo de divulgação para qualquer artista, apesar de hoje termos youtube e outros tipos de plataforma audiovisual.
Igualmente como no caso das rádios, no passado, a presença dos artistas do RN na televisão era muito maior do que nos programas de hoje. O motivo seria praticamente o mesmo do sumiço de nossas artistas das rádios. Por seguir o aspecto mercadológico, os valores arraigados a televisão para que um artista tenha um breve espaço de tempo, ou uma mera divulgação, custa um valor muito alto para artistas alternativos e emergentes que fica inviável sua participação.
Com isso, resta a nossos artistas poucos espaços nas coberturas televisivas como, por exemplo, os telejornais cobrindo algum evento de grande porte como São João, Carnaval ou mesmo aparições em programas como Rota da Intertv, Talento Potiguar, de Fernando Luís na Record, ou mesmo o programa da Fátima Mello, que cumprem um certo papel na divulgação de nosso musicistas, porém, estão ainda muito longe do que seria ideal. Com tantos grandes talentos, nenhuma emissora se disponibilizou a destinar um programa para divulgação de toda a amplitude de estilos, ritmos e gêneros que fazem a riqueza da nossa música.
Quinto fator: a ausência de espaços
Natal, assim como o Rio grande do Norte de uma maneira geral, vive um momento de escassez quanto a oferta de espaços para apresentações ao vivo de música, como em outros campos da arte. Na capital, por exemplo, o Teatro Alberto Maranhão, assim como, o teatro Sandoval Wanderley estão fechados há anos. Esses espaços (principalmente o teatro Alberto Maranhão) possibilitavam aos artistas construírem e apresentarem shows com qualidade e requinte. Com tanto tempo parados, prejudicam quem quer fazer uma apresentação nesses moldes, já que o teatro da Fundação José Augusto, o TCP, não dá conta de toda essa demanda, sendo inclusive muito menor, se comparado aos citados anteriormente.
O único local, fora o TCP seria o Teatro Riachuelo, localizado dentro do Shopping Midway Mall, contudo, é inviável para muitos artistas. A Casa da Ribeira aparece como uma boa alternativa, mas mesmo sua pauta sendo extremamente mais baixa que a do Teatro Riachuelo, ela é muito mais cara que a do TCP e sem o advento de editais, fica intangível para os artistas autorais, emergentes e alternativos.
Fora esses espaços, a Fundação José Augusto disponibiliza, mas através de editais ou convites, a Pinacoteca e o Memorial Câmara Cascudo.
Se olharmos para o âmbito das noites, pelo menos na nossa capital, o cenário é ainda mais desolador. A Ribeira, por exemplo, sendo o berço da cidade, hoje encontra-se praticamente paralisada, abandonada pelo poder público. Esse bairro viveu tempos de ouro com sua revitalização em 1998, sendo palco para shows de grande porte e grandes festivais como M.A.D.A., Rio Grande do Rock e o Festival Do Sol. A Ribeira alimentou uma cena efervescente de grandes músicos e compositores autorais que enriqueceram a cena potiguar autoral de 1998 até praticamente 2010, e hoje o seu silêncio parece-nos clamar por uma segunda, e permanente, revitalização.
Ponta Negra, outro “point” que proporcionava uma noite movimentada, com muitos espaços para os músicos se apresentarem e em diversos estilos e propostas como a Ribeira, viu seu declínio a partir de 2007 e hoje também se encontra em estado catártico. Citamos essas duas cenas porque eram as que mais movimentavam tanto a cena da música autoral como a cena cover que estava sendo produzida na cidade e no nosso estado, além de proporcionar aos turistas que visitavam esses lugares uma amostra do que era a nossa música, produzida aqui na nossa terra.
Apesar de não cobrirmos toda expansão territorial do RN, acreditamos que no interior não seja muito diferente por dois fatores: o primeiro seria que muitos músicos do interior acabam migrando para Natal para melhor divulgarem seus trabalhos, e o outro é que, geralmente, a capital é um micro contexto do macro contexto que é o estado, ou seja, se a política de abertura dos espaços e valorização dos artistas partisse da capital, possivelmente poderia se estender para todo o estado.
O problema é que os músicos que vem do interior acabam encontrando essa “cena morta” e acabam indo para outro estado em busca de reconhecimento, ou ainda adequam seus trabalhos para tocar em pequenos bares, que privilegiam apenas a cena cover, ou nos restaurantes, onde mais executa-se música instrumental, bossa nova etc, mas com cachês longe do ideal.
Portanto, os espaços na noite para música autoral potiguar que ainda hoje aparecem como espaços de resistência e sobrevivência são os bares: Bardallos, no Beco da Lama e a Tapiocaria da Vó em Ponta Negra. Já que o Abayomi, que incentivava a música local acabou de fechar suas portas também.
No quesito dos Festivais de música, gostaríamos de frisar que apesar de termos anualmente o M.A.D.A. e o Festival Do Sol, que são anuais, sendo reconhecidos na cena nacional, ainda é muito pouco para um estado tão grande, rico e sortido musicalmente como é o nosso RN.
Sexto fator: a circulação
Todos os anos vemos uma avalanche de artistas de outros estados invadirem o RN com suas músicas nos mais diversos eventos e nos mais variados estilos. Entre esses estados o mais atuante em solo potiguar é justamente o estado da Bahia, que agita o Carnatal, o carnaval, além de inúmeros shows ao longo do ano. Isso sem falar nos shows de fim de ano de Fagner (CE), Elba Ramalho (PB) Zeca Baleiro (MA), Paralamas do Sucesso (RJ) e por aí vai.
Podemos nos perguntar: que mal há nisso?! já que isso partiu das conquistas pessoais e das lutas desses artistas?! Contudo, estados como a Bahia, Pernambuco e a Paraíba tem uma política interna muito interessante de valorização dos seus, o que é notório quando se visita esses lugares. Por exemplo, o Ceará é a terra de Fagner, a Paraíba é a terra de Elba, Zé Ramalho e Chico César, a Bahia de Bel, Ivete e Cláudia Leite, Maranhão é a terra de Zeca Baleiro, etc.
Mas, será que aqui no Rio Grande do Norte podemos dize que é a terra de Mirabô, a terra de um Pedro Mendes, de uma Khrystal ou Terezinha de Jesus?! Pra quem mora aqui e conhece o trabalho esses artistas, a resposta seria sim. Entretanto, esses artistas aqui citados têm seus trabalhos reconhecidos inclusive por celebridades renomadas das quais são amigos, então por que a coisa não decola?
Supomos que, apesar do esforço individual desses artistas consagrados de outras partes do país, uma aparente resposta poderia ser: eles foram abraçados pelo seu povo. Seu povo se identifica com eles, tem pertencimento, se encantam e cantam por meio de suas músicas. Coisa que em nosso estado, onde o próprio povo não conhece seus artistas, não podem se ver por meio das lentes de sua arte, e não conseguem enxergá-los, assim como os artistas potiguares os enxergam.
Outra questão seria: o que mandamos para lá também? Que artistas nossos governantes apoiaram ou ajudaram para divulgar nossa música e arte para outros lugares do país e fora dele? E como isso poderia ajudar o nosso estado?
Até hoje, apenas nos governos do PT, que tiveram um massivo crescimento na política de editais para cultura, é que os artistas daqui conseguiram circular em boa parte do país e, apesar de poucos, os resultados foram muito expressivos. O que por si só já justificaria um maior apoio de nossos gestores à nossa música e aos nossos músicos.
Outro ponto é que isso poderia ajudar e muito a nossa economia, já que os artistas que vem de fora, não movimentam nossa economia, mas sim a economia de seus respectivos estados, já que vem ao nosso, recebem seu dinheiro (muitas vezes cachês altíssimos e pagos na hora) e voltam para os seus destinos.
Nesse sentido, se partirmos de uma valorização de nossos artistas de dentro para fora, valorizando-os aqui e em seguida incentivando-os à circulação, provavelmente, pela riqueza, diversidade e qualidade de nossa música, os resultados seriam positivos para a economia, para o nosso estado e para o nosso povo.
Sétimo fator: a questão da memória
O último ponto no qual discorreremos é justamente sobre a questão da memória, que é fator importantíssimo na criação da sensação de pertencimento e na criação da identidade de um povo, constituindo-se como patrimônio imaterial.
Um dos maiores problemas culturais do Rio grande do Norte é justamente o da falta de memória. Se observarmos apenas na área da arquitetura veremos que vários prédios, casas ou locais que deveriam ser tombados por um órgão como o IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) são na realidade, de fato, tombados (derrubados) por nossas próprias mãos.
Se olharmos para o caráter histórico, o que sabemos sobre os célebres potiguares? Será que o povo sabe quem foi um Fabião das Queimadas? Um Augusto Severo ou um Ferreira Itajubá? Ou mesmo uma Clara Camarão, Nísia Floresta ou uma Auta de Souza? Nesse sentido, não é apenas no campo da arte musical que encontraremos esse problema em solo potiguar, mas aqui será no âmbito da música que vamos nos focar nele.
Sem algum espaço físico ou virtual, é praticamente impossível para as pessoas que vivem aqui acessarem ou saberem a respeito dos músicos do nosso passado, assim como os do presente. Fora a iniciativa de alguns professores de arte das redes municipais ou estaduais, de inserirem em seus planejamentos a vida e obra de alguns de nossos músicos e artistas, por parte de nossos gestores esse tipo de iniciativa é praticamente nula.
Acreditamos que justamente seja a falta desse conhecimento sobre o seu passado que acarreta no povo potiguar essa sensação de não pertencimento e de não identidade com a sua arte e sua cultura, o que os faz buscar em artistas de outros estados, e até, de outros países, esse pertencimento e identificação.
Por tudo isso, entendemos que se o povo potiguar tiver acesso à vida e obra de seus compositores e músicos, poderá contribuir de forma muito expressiva para uma valorização da cena musical do RN, além de preservar suas memórias. Pois, acreditamos que para entender a história, o povo tem que aprender, revisitar e refletir sobre ela.
Apenas dessa maneira despertaremos nosso olhares e consciência para o sentido de que o RN, tem sim uma identidade musical construída e permeada pela riqueza de muitas sonoridades, gêneros e estilos, e que apenas se encontra apagada pelas areias do esquecimento e pela falta de visão do poder público e de nossos gestores, que têm por obrigação, preservá-la, defendê-la e difundi-la.
Diretrizes para uma melhor divulgação da música produzida no RN
Após discorrermos sobre sete pontos, ou melhor, sete fatores que possivelmente acarretariam numa maior dificuldade ou impedimento de uma melhor divulgação e propagação da música, dentro e fora do do Rio Grande do Norte, queremos agora sugerir sete diretrizes que possam vir a contribuir como possíveis sanadores desses atuais entraves anteriormente citados.
Primeira diretriz: Criação e aprovação de uma lei estadual para o cachê
Acreditamos, por meio do campo empírico musical, que não há uma alternativa melhor para o advento de um cachê mais justo e digno do que fazê-lo por via de uma Lei.
Para isso, o segmento da música, de uma forma organizada, terá de se reunir e dialogar, tanto com vereadores, como com deputados estaduais para que seja construída a proposta de uma lei a muitas mãos, e que possa definir o que seja a proposta de um cachê justo e digno, sendo realmente significativo para o segmento da música e que também possa ser pago pelos contratantes. Sejam eles bares, restaurantes, casa de shows, e outros locais onde se consome música ao vivo.
É vital que essa lei seja aprovada e sancionada no âmbito municipal e estadual para que seu alcance atinja todo o Rio Grande do Norte, com severa fiscalização e sob pena de multa de alto valor estipulado para o estabelecimento que descumpri-la.
Segunda diretriz: editais para gravação
Elaboração e Criação de um edital permanente de gravação musical que contemple músicos, bandas e compositores potiguares em seus mais variados estilos, gêneros e manifestações musicais. Tendo por objetivo o acesso desses músicos a uma gravação de um álbum, ou Ep, com suas músicas em um estúdio profissional.
Caso o(s) artista(s) prefira registrar sua obra em Cd ou Ep físico, parte da verba seria destinada à confecção do encarte, design gráfico e prensagem de uma tiragem mínima a ser definida, como também, uma parte destinada para um show de lançamento.
Lembrando que com o advento das novas tecnologias para a música, como é o caso das plataformas digitais, e com o CD físico já praticamente em desuso, o(s) artista(s) pode(m) ainda optar em ter seu trabalho registrado para o fim de ser inserido nas plataformas digitais de música (Deezer, Spootify, Itunes, Youtube etc). Com isso, a verba que seria destinada para a confecção física do Cd, ou Ep seria utilizada apenas para o design gráfico (Capa) do álbum ou Ep, e o restante para o artista efetuar o pagamento pela distribuição do seu trabalho pelas distribuidoras digitais (Tratore, Onerpm etc), o que possibilita a ele aumentar a quantidade de shows de lançamento ou aumentar os investimentos na plataforma devido à ausência dos custos com a prensagem física.
A indicação do segmento de música é que os editais para gravação se constituíssem em rotativos, ou seja, artistas que fossem contemplados aguardassem um certo período para se inscrever de novo com algum novo trabalho, gerando com isso, um espaço democrático para que outros artistas ainda não contemplados possam participar.
Terceira diretriz: editais para videoclipes de música
Elaboração e Criação de um edital permanente para a criação de vídeos clipes de musical que contemple músicos, bandas e compositores potiguares em seus mais variados estilos, gêneros e manifestações musicais. Tendo por objetivo o acesso desses músicos a uma gravação de um ou mais videoclipes para difusão de seus trabalhos na forma audiovisual.
No momento atual em que o povo consome mais a música associada à imagem, um edital nesse formato possibilita aos músicos divulgarem seus trabalhos na forma audiovisual abrangendo ainda mais o alcance de sua música e angariando ainda mais seguidores.
Uma das vantagens de um edital como esse é justamente a interligação que ele gera com outros segmentos de nossa arte como os do audiovisual e do teatro, possibilitando a valorização de Diretores de cena, câmeras, iluminadores, atores, cenógrafos, figurinistas etc. promovendo portanto a valorização de três segmentos ao mesmo tempo.
Quarta diretriz: Promover a radioteledifusão dos músicos potiguares
Nessa diretriz o segmento entende que poderiam seguir-se três caminhos distintos: o primeiro seria contando com o apoio dos órgãos públicos para promover o debate e o diálogo com vereadores e deputados estaduais para juntos trabalharmos no caminho para construção, elaboração, criação e aprovação de uma lei (ou leis) que possibilitassem e garantissem o acesso de nosso artistas nas programações das rádios e nas emissoras de TV potiguares.
Por outro lado, o outro caminho seria de que mesmo sabendo que existe o aspecto mercadológico nesses órgãos comunicadores (caso dos jabás) para que artistas sejam executados ou apareçam em programas, o que poderia promover algum tipo de impedimento na aprovação de leis de tal natureza, queremos provocar os órgãos gestores de cultura a um debate para saber até que ponto é possível “jogar o jogo”, ou seja, se é possível por meio de editais ou outras vias, conseguirmos pagar por esses espaços nesse meios de comunicação o que constituiria um “jabá do bem”, pois entendemos que se existe uma concessão pública deveria existir esse espaço para os nosso artistas, o que impulsionaria e valorizaria ainda mais a música potiguar. Embora reiteramos que o caminho da aprovação de uma lei fosse a melhor solução para essa questão.
A terceira via seria a seguinte: com o advento das novas tecnologias surgiram outras possibilidades para a música se divulgar e se difundir. A TV e a Rádio, apesar de serem poderosíssimos veículos para a propagação da música, ainda sim apresentam um problema. Elas atingem o público de uma forma genérica, ou seja, atingem todos os públicos ao mesmo tempo, e de uma vez só. Portanto, hoje com a inundação de informações a que o público é submetido e com sua atenção voltada quase que unicamente para o celular, a TV e o rádio podem vir a ficar em segundo plano.
Nesse sentido, como os artistas do RN são de variados estilos e gêneros e de públicos distintos, uma boa opção seria um edital para criação de web tvs e web rádios potiguares, ou manutenção das existentes. Como isso funcionaria?
Quem trabalha com plataformas digitais sabe que tem que se jogar dinheiro nelas para impulsionar seus conteúdos, portanto os editais seriam para criação e o impulsionamento desses veículos, que por meio do gerenciador do Facebook e Instagram por exemplo, podem filtrar o público que querem atingir, e assim construir o espaço certo para o público certo. Porque no mundo informatizado de hoje, clareza é poder.
Queremos registrar também que os editais podem ser de manutenção de canais já existentes, como no caso da web-rádio Candeeiro Potiguar, que foi aprovada por edital do Sebrae e está realizando um maravilhoso trabalho na internet divulgando todos os artistas e estilos possíveis de nossa música em sua programação, faltando-lhes portanto é impulsionamento para alcançar ainda mais público.
A vantagem maior de veículo de web-tv e web-rádio é que elas atingem um público mundial, em qualquer lugar e a qualquer hora.
Quinta diretriz: apoio e incentivo para festivais, manutenção e criação de novos espaços para música do RN.
Como medida sanadora à ausência de espaços para música ao vivo, assim como um alargamento maior de festivais de música em solo potiguar, gostaríamos de sugerir ao poder público que gesta a cultura em nosso estado:
• Elaboração e a criação, junto ao segmento da música, de editais que incentivem a criação de novos festivais, em caráter de mostra não competitiva, e que abranjam todas as manifestações musicais;
• Restauração e reabertura dos Teatro Alberto Maranhão e Sandoval Wanderley;
• Projetos para a revitalização das cenas culturais de Ponta Negra, Praia do Meio e da Ribeira, assim como sua retomada por parte dos artistas e do público em geral.
• Criação de novos espaços para a música, ou reapropriação dos que estiverem subutilizados por parte do poder público, como no caso da Cidade da Criança e outros;
• Manutenção dos locais já existentes para apresentações musicais como o Memorial Câmara Cascudo, a Pinacoteca, o Beco da Lama, etc.
Sexta diretriz: editais para a circulação
Para uma maior divulgação de nossa música dentro e fora do estado acreditamos que esses caminhos sejam expressivos para beneficiar a expansão da nossa arte musical:
• Elaboração e criação, junto ao segmento de música, de um edital de circulação que permita aos artistas e bandas potiguares circularem com o seu trabalho pelo interior do estado (para que os nossos nos conheçam e se conheçam)
• Elaboração e criação, junto ao segmento de música, de um edital de circulação que permita aos artistas e bandas circularem com o seu trabalho por outros estados do Brasil. (para que os outros nos conheçam)
Sétima diretriz: preservar nossa memória musical
A última diretriz apontamos para um dos fatores mais importantes que é a preservação da memória que gera pertencimento e identidade de um povo. Contudo, nos concentraremos aqui, no âmbito da nossa memória musical:
• Criação de um museu virtual que possa reunir, guardar e preservar a memória dos grandes artistas da nossa música;
• Criação de prêmios que incentivem as escolas a pesquisarem e conhecerem melhor, e a fundo, os personagens da nossa música;
• Criação de prêmios, por parte do poder público dirigidos a quem dedicou a sua vida e a sua carreira à difusão da música potiguar.
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