♪♫ "Não há como distribuir cultura sem o direito autoral"

Ana de Hollanda, ministra da Cultura

Nenhuma das trocas de ministro deste ano foi mais ruidosa do que a substituição de Juca Ferreira por Ana de Hollanda, no Ministério da Cultura.

Por Rodolfo Borges

Antes mesmo de tomar posse, a ministra, até então mais conhecida como irmã do compositor Chico Buarque de Hollanda, anunciou a revisão do anteprojeto da nova Lei de Direitos Autorais, que prevê maior acesso do consumidor à obra de autores e artistas.

A lei atual é de 1998 e está defasada diante de novidades como a profusão de músicas na internet. Por isso, a revisão da legislação começou a ser debatida ainda quando o cantor Gilberto Gil ocupava a pasta da Cultura (2003-2008) e se intensificou com Ferreira, recebendo contribuições nas sessões de consulta pública.
Uma das maiores polêmicas da proposta elaborada na gestão passada era a figura da licença não voluntária, que permitia ao presidente da República autorizar a autorizar o uso de obras artísticas sem a anuência da família do autor já falecido.
A criação da licença pretendia impedir que os herdeiros de artistas dificultassem a exposição ou reprodução de suas obras – o autor vivo não teria sua vontade questionada.
O anteprojeto também autorizava a dispensa de pagamento de direito autoral em alguns casos, especialmente para fins didáticos. Mas, para alguns representantes da área cultural, brechas como essa podem prejudicar os artistas.
“A democratização da cultura não pode passar por cima do direito autoral”, disse a ministra à DINHEIRO. Em 2009, último dado disponível, o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad) arrecadou R$ 374 milhões só na área musical.

DINHEIRO – O anteprojeto que cria a nova Lei de Direitos Autorais foi fruto de 80 reuniões setoriais, sete seminários nacionais e do estudo da legislação de 20 países. Por que revê-lo?

ANA DE HOLLANDA – A discussão não se esgotou. Quando o Ministério colocou em sua página da internet uma proposta de lei, a maior parte das posições era de questionamento. O que foi enviado à Casa Civil pelo antigo ministro nos foi devolvido, como todas as propostas enviadas no fim do governo anterior. Tenho de rever o projeto e mandar de volta. Como o texto enviado à Casa Civil não era exatamente o mesmo que estava no site, eu não tinha como endossar a proposta. Vamos fazer essa análise.
DINHEIRO – Como vocês pretendem avançar na discussão?

ANA – Vou montar uma equipe de consultores e juristas com visões diversas. Que-remos chegar a uma proposta que atenda à demanda da área criativa, que é a que mais se mostrou insatisfeita com as mudanças apresentadas, e do resto da sociedade.
DINHEIRO – Há algo que a incomodava particularmente no anteprojeto?

ANA – Não. No geral, acho que o projeto merece uma discussão maior, porque só o fato de ter um percentual muito grande de insatisfação em relação a ele é suficiente para isso. Ainda nem consegui ler o texto que foi mandado pela Casa Civil, nem acho que seja o caso, porque não sou eu que vou analisar. Minha responsabilidade é de ministra.
DINHEIRO – Seu posicionamento foi encarado como tendencioso, favorável ao Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad), que arrecada os direitos de reprodução musical.

ANA – Isso não é justo. A Academia Brasileira de Letras, a Câmara Brasileira do Livro e outros setores que não têm ligação nenhuma com a música também rejeitaram o anteprojeto. Assim como muita gente das áreas de fotografia, design, cinema e artes gráficas reclamou da forma como estava a lei. O Ecad é uma dessas associações que reclamaram. Não represento o Ecad. Faço parte de uma associação de músicos e compositores porque isso é obrigatório. Qualquer pessoa que trabalha na área de música tem de estar ligada a uma associação, e o ex-ministro Gilberto Gil também estava.
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"Arquitetura, moda e design já são a maior parcela da cadeia da indústria criativa, com 82,8% do mercado"
A São Paulo Fashion Week foi um dos eventos que fez a cadeia da moda crescer no País
DINHEIRO – É possível democratizar o acesso à cultura sem afrouxar os direitos de autor?

ANA – Sim. A democratização da cultura não pode passar por cima do direito autoral. São conquistas quase trabalhistas. Ter sua profissão reconhecida como um trabalho que lhe dá direito sobre sua obra é uma reivindicação muito forte da área cultural e criativa. Há a possibilidade de as pessoas abrirem mão de seus direitos e colocar o conteúdo na internet. Mas os autores, escritores e mesmo cientistas têm de ter resguardados seus direitos, que, no último caso, demandam anos de pesquisa. Para democratizar, temos todo interesse, por exemplo, no vale-cultura (benefício no estilo vale-refeição), uma forma de estimular o consumo da produção criativa.
DINHEIRO – Qual é a principal meta do ministério para o primeiro ano?

ANA – As praças do PAC (complexos com salas de cinemas, bibliotecas e estrutura para esportes), que vamos administrar junto com outros ministérios. As 400 primeiras já foram selecionadas. Vamos preparar o manual para as secretarias municipais adequarem seus projetos e receberem a verba. Para este ano, temos R$ 222 milhões que serão destinados à produção de 200 praças.
DINHEIRO – A sra. anunciou a criação de uma secretaria para cuidar da economia criativa. O que é isso?

ANA – Estamos interessados em toda indústria cuja matéria-prima é a criatividade, que envolva habilidade e talento individual, com potencial de crescimento econômico e criação de empregos por meio da exploração da propriedade intelectual. Mas o conceito de economia criativa é mais amplo que o de indústria criativa. A indústria criativa engloba apenas as áreas mais organizadas, como arquitetura, design e moda. Temos de pensar no mundo da criação alternativa, que está na informalidade. São os artesãos, os músicos, os artistas plásticos.
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"O ministério estava um pouco ausente nas decisões de patrocínio da Lei Rouanet"
O ex-ministro Juca Ferreira, que trabalhou pela mudança na Lei Rouanet
DINHEIRO – Qual o objetivo prático da secretaria?

ANA – O primeiro objetivo é medir a economia criativa com mais clareza, para podermos dimensionar seu peso no PIB. Nossas medições são bem antigas. Um estudo da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro ( Firjan), de 2006, estima que a cadeia criativa responde por 16,4% do PIB local, mas esse dado se restringe ao Rio. Vamos fazer um estudo como esse para medir a economia como um todo, que ainda é muito informal. Imagino que tenhamos esse quadro mais claro dentro de um ano. Esse é um dado fundamental para o Estado redimensionar sua política em relação ao mundo da cultura. A informalidade é um problema. Já quando falamos da indústria criativa temos uma noção mais clara, porque o trabalho é formal. Nesse universo, arquitetura, moda e design são a maior parcela da cadeia, com 82,8% do mercado, 82,5% dos estabelecimentos e 73,9% da massa salarial. Isso representa um peso muito grande. São os setores mais bem organizados da economia criativa.
DINHEIRO – Como a sra. chegou ao nome de Cláudia Leitão para essa secretaria?

ANA – Ela tinha sido secretária de Cultura no Ceará, mas eu vinha acompanhando seu trabalho na área de economia criativa. Ela esteve na Austrália fazendo um trabalho muito interessante e realizou um estudo na região do Cariri, no interior do Ceará, nesse sentido. A secretaria vai ser transversal a todo o trabalho do Ministério da Cultura.
DINHEIRO – A retirada do selo Creative Commons, que disciplina a reprodução gratuita de conteúdo, do site do MinC causou polêmica no meio digital, porque foi visto como um retrocesso no estímulo ao compartilhamento de informações pela internet. O que baseou a decisão?

ANA – A questão do selo é administrativa. Não havia contrato ou licitação que justificasse a presença no site do ministério. Não é uma questão política. Eu respondo pela página oficial do ministério, que não é o mesmo que um blog.
DINHEIRO – O orçamento do ministério, de R$ 2,5 bilhões, é suficiente?

ANA – O orçamento é bem maior do que antes (em 2003, por exemplo, o orçamento era de R$ 287 milhões). Claro que o ministério cresceu muito nesses anos, mas as demandas são maiores. Existem as emendas parlamentares, que atendem a alguns projetos específicos. Mas só agora, que foram anunciados cortes, vamos lidar com a questão orçamentária.
DINHEIRO – O Programa Nacional de Fomento à Cultura (Procultura), que substitui a Lei Rouanet (dá incentivos fiscais a empresas que patrocinam cultura), ja foi encaminhado ao Congresso. Ele soluciona os gargalos identificados depois de 20 anos de Lei Rouanet?

ANA – No Procultura existe um favorecimento maior para o Fundo Nacional de Cultura (o fundo que recolhe os recursos da renúncia obtida pela Lei Rouanet). É uma grande vantagem em relação à legislação anterior. Representa uma possibilidade maior na forma de dedução para o fundo nacional, que vai ser gerido de uma forma mais democrática, passando pelas comissões de cultura. Tudo isso já está previsto para a seleção de projetos prioritários, uma evolução em relação à simples vinculação do patrocinador com o patrocinado, que deixava a seleção muito na mão dos patrocinadores. O ministério estava um pouco ausente, o que prejudicava as políticas culturais de áreas hoje menos favorecidas.

FONTE: Istoé Dinheiro

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